terça-feira, 19 de março de 2013

Dia 21 de março - Dia Mundial da Poesia


A invenção do amor












Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de apa-
relhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da
nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor


Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia
quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo


Um homem uma mulher um cartaz de denúncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou A TV anuncia
iminente a captura A polícia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta
  fechada para o mundo

É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes
que a invenção do amor se processe em cadeia
Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos


(...)
Fechem as escolas Sobretudo
protejam as crianças da contaminação
uma agência comunica que algures ao sul do rio
um menino pediu uma rosa vermelha
e chorou nervosamente porque lha recusaram
Segundo o director da sua escola é um pequeno triste inexplicavelmente
dado aos longos silêncios e aos choros sem razão
Aplicado no entanto Respeitador da disciplina
Um caso típico de inadaptação congénita disseram os psicólogos
Ainda bem que se revelou a tempo Vai ser internado
e submetido a um tratamento especial de recuperação
Mas é possível que haja outros É absolutamente vital
que o diagnóstico se faça no período primário da doença
E também que se evite o contágio com o homem e a mulher
de que fala no cartaz colado em todas as esquinas da cidade

Está em jogo o destino da civilização que construímos
o destino das máquinas das bombas de hidrogénio das normas de discriminação racial
o futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamos
a verdade incontroversa das declarações políticas

...

É possível que cantem
mas defendam-se de entender a sua voz Alguém que os escutou
deixou cair as armas e mergulhou nas mãos o rosto banhado de lágrimas
E quando foi interrogado em Tribunal de Guerra
respondeu que a voz e as palavras o faziam feliz
lhe lembravam a infância Campos verdes floridos
Água simples correndo A brisa das montanhas
Foi condenado à morte é evidente É preciso evitar um mal maior
Mas caminhou cantando para o muro da execução
foi necessário amordaçá-lo e mesmo desprendia-se dele
um misterioso halo de uma felicidade incorrupta

...

Procurem a mulher o homem que num bar
de hotel se encontraram numa tarde de chuva
Se tanto for preciso estabeleçam barricadas
senhas salvo-condutos horas de recolher
censura prévia à Imprensa tribunais de excepção
Para bem da cidade do país da cultura
é preciso encontrar o casal fugitivo
que inventou o amor com carácter de urgência

Os jornais da manhã publicam a notícia
de que os viram passar de mãos dadas sorrindo
numa rua serena debruada de acácias
Um velho sem família a testemunha diz
ter sentido de súbito uma estranha paz interior
uma voz desprendendo um cheiro a primavera
o doce bafo quente da adolescência longínqua





Daniel Filipe
A Invenção do Amor e Outros Poemas
Lisboa, Presença, 1972




DANIEL FILIPE


Em 1925 nasceu Daniel Damásio Ascensão Filipe na ilha da Boavista, em Cabo Verde.

Ainda criança, veio para Portugal onde fez os estudos liceais. Poeta, foi colaborador nas revistas Seara Nova e Távola Redonda, entre outras publicações literárias. Combateu a ditadura salazarista, sendo perseguido e torturado pela PIDE.

Num curto espaço de tempo, a sua poesia evoluiu desde a temática africana aos valores neo-realistas e a um intimismo original que versa o indivíduo e a cidade, o amor e a solidão.

Faleceu em 1964 em Cabo Verde.





Algumas obras:

Poesia

Missiva (1946)
Marinheiro sem Terra (1949)
Recado para a Amiga Distante (1956)
A Ilha e a Solidão (1957)
A Invenção do Amor (1961)
Pátria, Lugar de Exílio (1963)


ProsaO Manuscrito na Garrafa (1960)


sexta-feira, 8 de março de 2013

Exposição NA ROTA DAS PALAVRAS


Vencedoras do Concurso de Desenho da Semana da Leitura 2013

Karina Zavinska do 2.º B do Centro Escolar N.º 2 foi a grande vencedora do concurso de desenho inserido nas atividades da Semana da Leitura 2013.

                                                              Parabéns Karina!!!




Apreciem aqui a sua ilustração:






Soraia Santos, aluna nº 15, do 1.º B da EBI Fernando Casimiro Pereira da Silva arrecadou o 2.º Lugar! 
   

                                                   Parabéns Soraia!!!






O terceiro lugar foi para a Lúcia Santos da Fonseca, aluna do 2.º B do Centro Escolar Poeta Ruy Belo de São João da Ribeira.
                                                   Parabéns Lúcia!!!















Relembramos que todos os participantes receberão um certificado de participação  Mais, os participantes que não viram os seus trabalhos premiados terão ainda a oportunidade de ver as suas ilustrações em marcadores de livros a distribuir no terceiro período.

 A BE agradece a participação de todos os concorrentes!

Vencedora do Concurso de Escrita Criativa da Semana da Leitura 2013

Maria Sousa do 4.º E do Centro Escolar Poeta Ruy Belo foi a feliz vencedora do Concurso de Escrita Criativa da Semana da Leitura 2013 destinado a todos os alunos do 3.º e 4.º anos do Agrupamento Fernando Casimiro Pereira da Silva.


Muitos parabéns Maria!!!

Agradecemos igualmente o empenho de todos os alunos participantes.



 Clica nesta imagem se quiseres ler o texto vencedor:

 

quinta-feira, 7 de março de 2013

RIO MAIOR PARA PARA LER!

 

Dia 8 de Março às 11.00h

Proposta de leitura e reflexão em sala de aula sobre um texto alusivo ao tema do Mar.

 
Conforme proposta aprovada pela Rede de Bibliotecas do Concelho de Rio Maior, propõe-se para a 7ª Edição da Semana da Leitura, a realização de uma atividade conjunta no concelho, com a designação de "Rio Maior para para ler".
 
Pretende-se que à mesma hora, em todas as instituições públicas e privadas do concelho, crianças e adultos se dediquem à fruição do prazer da leitura, assinalando-se também de forma simbólica o fecho da Semana Nacional de Leitura. 

 

Propostas de leitura para o Pré-Escolar/JI e 1.º Ciclo:

Sugerimos a todos os Educadores e Professores que pelas 11.00h do dia 8 de março de 2013, procedam à leitura de O Nadadorzinho de Leo Lionni (Jardim de Infância) e O dia em que o mar desapareceu de José Fanha ( 1.º Ciclo).

 


domingo, 3 de março de 2013

O Mar dos Açores por João de Melo

Do cimo da ilha da minha infância, via-se o mar: não era plano nem azul, nem tão parado como agora; e não tinha, nas sempre breves e chuvosas tardes de Inverno, a cor plúmbea com que por vezes se assemelha ao aço das lâminas de barba. O meu era um mar branco e oblíquo, e subia das pedras negras da costa até às faldas que ficavam no limite extremo do firmamento. Para se sair da ilha, era necessário trepar pelas águas acima, como numa ascensão; para a ela regressar, devia descer-se na perpendicular de um eixo marítimo e terrestre. Havia, nessa forma peculiar de ver a geografia que então me cercava, não uma ilusão de óptica, mas antes uma presciência poética que parecia já anunciar-me um “desejo” de literatura.

Muito revolto se me afigurava o mar, e furiosamente picado pela mordedura de umas cobras marinhas a que chamávamos moreias; branco da sua própria braveza, tanto quanto da saliva delas. Fora-me proibido ir conhecê-lo de perto, apesar de lhe morar bem à vista e de ser em mim grande a ansiedade de escutar os seus passos de animal acorrentado e de provar o sal dos seus segredos. De modo que, quando tal finalmente aconteceu, foi-me muito elementar vivê-lo à margem dos sentidos - com a arte do sonho e com aquela virtude que dá pelo nome de «imaginação».
Passavam ao largo grandes e luxuosos navios brancos - com as fumegantes chaminés amarelas e os pavilhões enfunados pelo vento. Levavam os tombadilhos cheios de pessoas invisíveis - supondo eu ver cabeças minúsculas no convés e mãozinhas com lenços a acenar, em despedida. Acreditava até que ouvia os prantos e os suspiros dessa gente feliz com lágrimas que ia sempre em direcção à América.

Uma vez por outra, correspondia aos seus acenos, sentado na terra e no tempo da minha infância. Ficava, horas sem fim, a ver extinguirem-se os navios, perdendo-se ao longe ou entrando pelo céu dentro, lá onde findava o mar da minha vista: devia haver ao alto uma qualquer passagem secreta para o Paraíso, quem sabe se uma porta para o coração do universo.
Um dia, aconteceu-me também a mim subir ao convés de um navio, vogar à bolina, ver a ilha ficar para trás, cada vez mais longe, mais parada na distância, até se extinguir. No meu espírito, porém, ela crescia na razão inversa desse afastamento físico - o bastante para a reter em mim pela sua existência tangível e pelo imaginário da literatura. E então eu vi quanto se iludira a minha infância na ilha: afinal o mar nada tinha de oblíquo nem de redondo; tão-pouco era branco como a saliva das tais serpentes marinhas. E também, ao contrário do que supunha, não se colava ao firmamento na linha do horizonte. Nem era infinito. Tratava-se de mar plano, equidistante a tudo. Visto do alto dos navios, parecia até não ser um caminho de ida nem regresso a casa. A verdade é esta: no fim de todos os mares e oceanos, pode haver uma ilha muito grande à qual nós chamamos “continente”; ou haver uma porção de terra rodeada de mar - e ser ela apenas uma ilha-ilha-continente como outra qualquer. Porque tudo o que somos e sonhamos vem no mapa. E até os mapas existem para serem, como nós, espírito e obra da nossa alma.